Doomers: quem são e por que existem?

Sad Claps
5 min readOct 24, 2019

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Olá, muito provavelmente você nunca tenha ouvido falar sobre os Doomers e também muito provavelmente nunca ouvirá falar deles com este nome específico, mas eu tenho certeza que você conhece alguns deles e também acho que eles podem trazer certas discussões interessantes sobre como estamos vivendo e a visão dos jovens sobre o futuro.

EDIT: fiz uma pequena atualização deste texto, confiram no link: https://medium.com/@sadclaps/doomers-na-pandemia-e-o-caos-da-pol%C3%ADtica-brasileira-a1e66d1df7dc

Primeiramente, quem são os doomers?

Os doomers começaram como um meme nesse tipo de site que a polícia federal deveria passar mais tempo investigando e rapidamente se transformaram numa subcultura, devido ao fato do estereótipo ser tão real que chegou a assustar os usuários. Neste caso, a arte imitou a vida sem ninguém perceber.

Vai dizer que você não conhece ninguém assim?

Excetuando-se a parte das caminhadas noturnas que são praticamente impossíveis no Brasil por conta da criminalidade, imagino que todo mundo conheça alguém que se encaixe nesse estereótipo: entre os 20~30 anos, já sofreu ou sofre de depressão, insatisfeito com o trabalho, possui uma visão pessimista do mundo com uma característica importante aqui, sofrem uma espécie de vício na vontade. Utilizo aqui ‘vontade’ como sendo a intenção de cometer determinado ato.

Não se trata apenas de uma falta de vontade normal, mas sim de algo mais profundo. É a idéia de que mesmo querendo e fazendo tudo o que estiver ao seu alcance para alcançar o seu objetivo, não irá adiantar. Embora não seja exatamente isso, a coisa mais próxima que me veio à mente foi o conceito católico de acídia.

Esse sentimento muitas vezes está cristalizado em alguma teoria popular de extinção da humanidade como o aquecimento global, superpopulação, poluição entre outras do gênero. Afinal de contas, pra quê eu vou esquentar a cabeça se em 2050 grande parte das cidades costeiras já estarão debaixo d’água ou se o efeito estufa (ou o buraco na camada de ozônio) é inevitável e só podemos retardar os seus efeitos?

Fato é que muita gente se identificou com esse estereótipo e não é difícil perceber esse tipo de conduta em quase todas as redes sociais (exceto o instagram onde tudo é perfeito e maravilhoso). Parece que está na moda ser triste e depressivo, sem o aspecto pejorativo que os emos dos anos 2000 carregavam.

Aspectos culturais dos doomers

A parte mais interessante pra mim foi observar a grande quantidade de ‘doomer playlists’ no youtube, sobretudo nos últimos tempos, contendo músicas majoritariamente com essa temática triste e até um pouco melancólica. Um fato curioso ou não é que existem muitas destas playlists em russo (confesso aqui que provavelmente generalizei pois não sei ler o alfabeto cirílico). Minha mente rapidamente fez uma associação ao ateísmo da União Soviética e uma possível ligação disso com a tal falta de sentido da vida presente na cultura doomer, mas não tenho embasamento nenhum para dizer isso, assim como não tenho embasamento nenhum para escrever nada aqui. Também cogitei se a arquitetura soviética tem influência no grande número de doomers nessa região do planeta. (vejam why beauty matters)

Enfim, ao ouvirmos algumas playlists doomers, percebemos que algumas bandas são incluídas com mais frequência como por exemplo: The Smiths, Radiohead, The Cure, Joy Division e Slowdive. Apesar disso, basta dar uma olhada para perceber que embora a grande maioria das playlists contenha exclusivamente rocks dos anos 80 e início dos anos 90, não é exclusividade do rock fazer músicas apáticas e tristes por conta de falta de sentido na vida. Na verdade, faço questão de linkar no final do texto uma playlist excelente contendo apenas músicas brasileiras.

O hino dos doomers

A heart that’s full up like a landfill
A job that slowly kills you
Bruises that won’t heal
You look so tired, unhappy
Bring down the government
They don’t, they don’t speak for us
I’ll take a quiet life
A handshake of carbon monoxide

Também temos o hino brasileiro:

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar

Eu realmente não gosto de chover no molhado, mas creio que o aumento do número de doomers tem tudo a ver com o aumento da depressão. Talvez seja relevante uma discussão sobre se o número de depressivos realmente aumentou ou se temos hoje em dia técnicas melhores para identificar essa doença. Creio que a depressão não se trata apenas de uma deficiência físico-química do cérebro. Muito embora este fator exista e seja relevantíssimo, acho que resumir tudo ao materialismo da mente seja bastante prejudicial para entender a questão completamente. Explico: na minha ignorância, entendo que a explicação mais comum hoje em dia para a ‘falta de vontade’ de fazer algo, sintoma tão comum na depressão, é necessariamente um problema no cérebro. Isso é oriundo da teoria do materialismo da mente (nossa consciência se resume a interações atômicas dentro do nosso cérebro). Eu não acho que isso seja verdade, creio que além da deficiência física (que é óbvia e existem n estudos para comprovar as diferenças entre o cérebro de uma pessoa sadia e de uma pessoa depressiva), existe também uma deficiência na vontade, que ocorre num plano imaterial.

Na minha opinião, essa deficiência da vontade, que não pode ser tratada por remédios, é uma das grandes causas da reincidência da depressão nas pessoas e que, inclusive, serve de muleta para muitos que abdicam de tratar desta parte (na minha opinião, mais importante que o físico) e acham que tudo se resolverá tratando apenas a parte material da doença.

Quero deixar claro aqui que não acho que depressão seja frescura, e que os doentes precisam de todo o nosso apoio material, espiritual e afetivo.

O sentido da vida

Sim, esta pergunta, apesar de manjada, é outro fator relevante para o surgimento desse movimento doomer. Muitas pessoas cresceram (eu pelo menos cresci) com a idéia de que cada um tem um propósito na vida. Isso não seria meramente um talento ou alguma facilidade para exercer alguma atividade, mas algo mais profundo como um chamado ou vocação. Ocorre que com a automatização dos processos, nós passamos a não ver o resultado das nossas ações.

Música meramente ilustrativa

A não ser que você trabalhe diretamente em contato com o público, existe uma grande probabilidade que o seu trabalho se resuma a ficar digitando relatórios e planilhas que apesar de serem de extrema importância para o seu empregador, na prática, não importam pra você. Imagino que seja muito melhor, falando no aspecto da realização pessoal, você ser um fazendeiro que trabalhou o ano todo e finalmente conseguiu colher toda a sua plantação do que um day trader (sem preconceito aqui).

Recomendações

Embora o meu interesse nesse tema seja mais musical que sociológico, acho que o tema é bom e ainda pode ser abordado de diversas outras formas, sobretudo em contraste dos doomers com os bloomers. Caso tenham interesse, acho que o primeiro passo é escutar as playlists, sobretudo a brasileira. Enfim, ei-las:

Tristeza não tem fim / Felicidade sim
Up on melancholy hill / There’s a plastic tree
Тем, кто ложится спать — Спокойного сна.
Спокойная ночь. / For those who go to bed — Good night.
Good night

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